Durante milhares de anos, a reprodução foi um verdadeiro enigma para a humanidade e para a ciência. Os filhos eram consequência da união entre um homem e uma mulher. Quando não acontecia o esperado, a mulher era culpada e ponto final.O enigma começou a ser decifrado em 1978, com o nascimento da inglesinha Louise Brown. O acontecimento se tornou um marco e um divisor de águas para a Reprodução Humana, uma das áreas da medicina contemporânea que mais evoluiu. Entretanto, como a ciência é dinâmica, o conhecimento gera novas questões e desafios, como o papel do sistema imunológico na reprodução.Há muito tempo, sabe-se que para ter uma gravidez é necessário que o embrião, até então um corpo estranho ao útero, seja reconhecido imunologicamente, evitando, assim, ser atacado pelas defesas do corpo. Livros muitos antigos chegavam a fazer referência à gravidez como um processo alérgico.
O sistema imunológico está sempre de prontidão para atacar e destruir tudo o que não faz parte do nosso organismo – seja uma bactéria, seja uma célula tumoral. Normalmente, o embrião é um caso à parte, e a gravidez é um milagre no contexto da guerra imunológica. Mesmo sendo um corpo estranho ao sistema imunológico da mulher, as células do embrião são acolhidas e alimentadas, gerando um novo ser humano. Para que isso aconteça, é necessário que o sistema imunológico da mulher reconheça o hóspede. Pequenas alterações no sistema imunológico podem resultar em fracasso da gestação.
Estudos demonstram que 84% das pacientes com duas ou mais falhas de implantação em processos de Fertilização In vitro (FIV) e 98% daquelas com abortamentos de repetição apresentaram algum tipo de problema imunológico.
Basicamente, o fator imunológico em Reprodução Humana se apresenta em três formas distintas – a autoimunidade, as trombofilias e a aloimunidade.
• Na autoimunidade, o corpo da mãe “ataca” o embrião com auto-anticorpos, causando intenso processo inflamatório ao nível placentário e/ou fetal.
• Nas trombofilias existem fatores congênitos ou adquiridos que provocam alterações na coagulação sanguínea, levando a alterações na nutrição do embrião, ou mesmo de forma direta, impedindo a sua implantação.
• Por fim, na aloimunidade as características celulares do casal são muito similares, levando à formação de um embrião com características similares às da mãe, ocasionando uma dificuldade no reconhecimento imune do mesmo.
A boa notícia é que a infertilidade de causa imunológica já pode ser tratada e casais que queiram ter um filho podem obter uma avaliação e tratamentos corretos. A Imunologia da Reprodução é uma nova especialidade médica que contribui com a área da Reprodução Humana e que busca auxiliar casais com perdas gestacionais repetidas, aborto recorrente, falhas em ciclos de fertilização in vitro (FIV), prematuridade, descolamento prematuro de placenta, pré-eclâmpsia ou mesmo aqueles casais anteriormente enquadrados como Infertilidade sem Causa Aparente (ISCA). A abordagem consiste em investigar as principais causas, por meio de exames de sangue do casal e a avaliação da integridade do DNA espermático.
Além das causas imunológicas, destacamos, quando existe a necessidade de investigar as causas genéticas, infecciosas, anatômicas e hormonais, que também podem contribuir para a falha de implantação ou complicações gestacionais.
A boa notícia é que a infertilidade conjugal pode ser diagnosticada com mais precisão, ser tratada com mais eficácia graças ao avançado conhecimento médico científico, aliado aos recursos tecnológicos atuais, que têm permitido ao casal ter o seu tão sonhado bebê.